O Crítico Estado do Mercado de Entretenimento Ao Vivo
com Gabriel Martim
Certo dia em fevereiro bateu na minha campainha um senhor na faixa dos quarenta anos de aparência melancólica: “faço parte da orquestra sinfônica e não tenho conseguido dinheiro para comprar remédios.” Estou saindo aos finais de semana para pedir ajuda.
O senhor que sai pedindo dinheiro nos finais de semana representa um dos milhões impactados nos segmentos de cultura, música e arte. A indústria de entretenimento ao vivo — primeira a ser fechada e última a retornar — é provavelmente a mais afetada pelo Covid-19. Em 2020 o Brasil deixou de realizar 350 mil eventos, acarretando uma perda econômica de 90 bilhões de reais para 640 mil empresas e aproximadamente 6.4 milhão de pessoas empregadas (formal ou informalmente) na cadeia: 8.1% do PIB Brasileiro (ABRAPE). A queda de receita no segmento é de 90–97%.
Em 2020 o Brasil deixou de realizar 350 mil eventos, acarretando uma perda econômica de 90 bilhões de reais para 640 mil empresas e aproximadamente 6.4 milhão de pessoas empregadas (formal ou informalmente) na cadeia: 8.1% do PIB Brasileiro (ABRAPE)
Quanto Tempo até Voltarem os Eventos?
No início da pandemia, a maioria de nós (inclusive eu) subestimou grosseiramente o tempo que demoraria até um retorno que aproximasse o mercado de entretenimento de níveis “normais” de receita. Há cerca de um ano, quando escrevi meu primeiro artigo sobre o tema, o consenso era de um retorno em 84 dias a partir do primeiro relaxamento do lockdown. Estávamos errados.
Primeiro, olhando o “copo meio cheio”, vale notar que várias vacinas funcionam. Desenvolver em tempo recorde essas vacinas é um pequeno milagre da ciência que não teve nem de perto a apreciação que merecia.
Seis candidatos já apresentaram dados clínicos extensivos, mostrando altos graus de eficácia. Todos se mostram mais eficazes que a nossa vacina contra gripe e, mesmo as menos eficazes, fazem um bom trabalho em barrar sintomas graves (Vaccines, Efficacy And Variants, Gavenkal Reserach). Outra notícia boa é que as vacinas que utilizam mRNA (como a Pfizer) são facilmente reprogramáveis para cobrir novas variantes (Bloomberg). Por fim, um ponto positivo que parece escapar à maioria das pessoas é que a pandemia não acaba quando ninguém mais adoece. Ela acaba quando ninguém mais corre risco de vida; e o sistema de saúde não entra em colapso.
A pandemia não acaba quando ninguém mais adoece. Ela acaba quando ninguém mais corre risco de vida; e o sistema de saúde não entra em colapso
Porém a curva se mostra dolorosamente longa até o retorno. Enquanto as vacinas Pfizer/BioNTech1 e Moderna mostraram eficácia de ~95% em seus primeiros testes clínicos, a Coronavac — a primeira vacina aplicada no Brasil — mostra eficácia que varia de 40% a 91% (When Will The Pandemic End, McKinsey & Co). É crucial entender o que uma mudança nesse indicador implica quanto à necessidade de cobertura de vacinação.
A maioria dos Estados provavelmente irá declarar o final da pandemia quando chegarmos ao estado de “imunidade de rebanho”. Isto é, quando existir um número suficientemente grande de pessoas imunes para prevenir futuros surtos. Alguém vacinado se torna um blocker (o oposto de um transmissor do vírus). Naturalmente, quanto mais eficaz uma vacina mais blockers teremos nas nossas cidades e mais rapidamente chegaremos à imunidade de rebanho.
Considerando um nível de eficácia próximo aos 95%, precisaríamos de uma cobertura de 45–65% da população para atingir imunidade de rebanho (When Will The Pandemic End, McKinsey & Co). Neste modelo, se considera que a vacina é aplicável em crianças e que a “imunidade natural” — a porcentagem de pessoas que naturalmente não adoece de Covid-19 — esteja entre 0–25%.
Veja, no entanto, o que acontece quando assumimos que a vacina tem eficácia em torno de 50%: a cobertura mínima necessária fica na casa dos 90%. No caso de eficácias menores, a cobertura total é necessária. Um efeito similar ocorre no cenário onde não podemos vacinar crianças. Na prática, se a eficácia não for altíssima ou se não pudermos vacinar todas as idades, teremos que esperar que todos se vacinem para atingir imunidade de rebanho. Outras variáveis que podem afetar a curva são fatores como reinfecção e o advento de novas variantes (como as surgidas em Manaus, Londres e na África do Sul).
Na prática, se a eficácia não for altíssima ou se não pudermos vacinar todas as cidades, teremos que esperar que todos se vacinem para atingir imunidade de rebanho.
É Possível Atingir Imunidade de Rebanho este Ano?
Para quase todos os países no mundo, a resposta é provavelmente não. Somente dois países populosos estão em ritmo de conseguir vacinar mais de 75% da população este ano: Estados Unidos e Reino Unido. Quase todos os países que tem vacinado rapidamente são países diminutos, como os Emirados Árabes, Malta e Israel. Para efeito de comparação, Israel tem 8.8 milhões de habitantes (e um aparato militar com alta capacidade logística). O Rio de Janeiro sozinho tem 6.7 milhões. A McKinsey estima que os Estados Unidos atingirão sua imunidade de rebanho no quarto trimestre deste ano. O cenário para o resto do mundo é bem diferente.
A grande maioria dos países no mundo só deverá atingir imunidade de rebanho a partir de meados de 2022. Alguns países e grande parte da África devem entrar em 2023 sem ter atingido este marco. Isto deve criar uma relação completamente nova entre países (provavelmente precisaremos de um certificado de imunidade para viajar) e a vacina figurará como moeda política (Época).
E o Brasil?…Depende da China.
O Brasil, com proporções continentais, cai na categoria de países que deve atingir imunidade de rebanho em algum momento em 2022. Apesar do nosso poder de distribuição e cultura de vacinação, temos uma série de fatores (fora do nosso controle) que me levam a acreditar em um prazo mais longo. Estimo que o próximo evento de grande porte a nível nacional provavelmente será um carnaval fora de época em meados de 2022.
O próximo evento de grande porte a nível nacional provavelmente será um carnaval fora de época em meados de 2022
A China, conhecida por sua enorme capacidade industrial, ironicamente deve engasgar sua produção no futuro próximo. Para ser claro, o desafio de vacinação é monumental mesmo sem problemas de produção. A meta de vacinação para o Covid-19 neste ano é mais do que o dobro combinado de todas as vacinas no ano passado. Não é coincidência que somente pequenos países estão em dia com sua programação.
O desafio é na produção: por exemplo, faltam frascos (vials) para a Coronavac. A Sinovac — o segundo maior produtor de vacinas da China — afirma que tem capacidade de produzir 1.4 milhões de doses por dia. Mas está atualmente dando vazão para 30% disso (Vaccines, Efficacy And Variants, Gavenkal Reserach). Produzidas através de vírus inativos (em contraste com as vacinas da Pfizer e Moderna que usam um método chamado “mRNA”) cada Coronavac precisa de um frasco. No caso da Pfizer, cada frasco pode conter 5–6 doses. Este frasco é um dos poucos produtos de consumo não produzidos na China. Outros analistas apontaram preocupações com a falta de duplicidade no sistema de produção e possível falta de materiais de empacotamento.
A eficácia mais baixa e desafios logísticos, apresentam uma ameaça para o Brasil. A primeira parte do nosso programa depende de 100 milhões de doses a serem importadas da Sinovac: o que seria equivalente a vacinar cerca de 1/4 da população.
A segunda parte do programa conta com 100 milhões de doses da AstraZeneca a serem produzidas pela Fiocruz através de licença (Vaccines, Efficacy And Variants, Gavenkal Reserach). Porém a Fiocruz já alertou atraso devido ao não recebimento de um ingrediente conhecido como “IFA” que vem da China. Se o laboratório conseguir cumprir sua meta de iniciar produção em abril, teremos as primeiras vacinações em agosto segundo Marco Krieger, vice-presidente da Fiocruz: “isso não é uma corrida de cem metros, é uma maratona. Temos que nos preparar para produzir milhões e milhões de doses neste ano, e provavelmente no próximo” (Bloomberg).
“Isso não é uma corrida de cem metros, é uma maratona. Temos que nos preparar para produzir milhões e milhões de doses neste ano, e provavelmente no próximo” (Marco Krieger da Fiocruz, Bloomberg)
Em um cenário de escassez, é improvável que países produtores de vacina priorizem exportação à própria demanda doméstica. Esta priorização de demanda interna já parece ter ocorrido no México que aguarda disponibilidade da Pfizer pra exportação. O Brasil atualmente não tem doses nem para cobrir os grupos prioritários, reporta a Bloomberg
Um Longo Caminho Pela Frente
Dado este cenário, percebemos que temos um longo caminho pela frente até atingirmos cobertura total de vacinação. Novas variantes (mais transmissíveis ou que evadem imunidade natural), como a conhecida como “P.1”, apresentam riscos de novos surtos que podem sobrecarregar o sistema de saúde mesmo em estágios avançados do programa. Manaus provavelmente é registro disso. Com um processo de vacinação que mal começou, o sistema de saúde brasileiro permanece tão vulnerável quanto no início da pandemia: “nenhum outro país que tinha sofrido um surto está ainda enfrentando taxas de morte recorde”, afirmou o NY Times quando o Brasil registrou 1.700 mortes no primeira terça de março. No final de fevereiro, oficiais de saúde reportaram casos da variante P.1 em 21 dos 26 estados Brasileiros (NY Times).
Admito que podemos ter surpresas positivas através de iniciativas privadas como a encabeçada pela Luiza Trajano do Magalu e à medida que laboratórios locais ganhem independência de produção. Em particular, a Fiocruz — que planeja passar a produzir internamente ingredientes que hoje vêm da China — pode ter um papel decisivo para acelerar o ritmo de vacinação. Mas a verdade inconveniente é que a vacinação mal começou. Nesta mesma terça, o Ministério da Saúde reportava ter vacinado, com pelo menos uma dose, 5.8 milhões de brasileiros: 2.6% da população. Apenas cerca de 2 milhões receberam duas doses (Ministério da Saúde).
O fato — duro de aceitar — é que o Covid-19 veio para ficar e nossa relação com a doença vai ser uma de longo prazo, como a que temos com a Influenza e outras gripes sazonais: “países desenvolvidos lidam com a Influenza como um fato da vida, aceitando que terão um grande número de casos sazonais e prevenindo parte dela com vacinas que nem sempre funcionam totalmente e precisam ser melhoradas todos os anos conforme as variantes sofrem mutações” (Vaccines, Efficacy And Variants, Gavenkal Reserach).
O nosso prazo de retorno afeta a viabilidade do nosso plano. Em países com prazos mais curtos de vacinação, restrições mais severas se tornam menos danosas. Na segunda, 22 de fevereiro, o primeiro ministro Britânico Boris Johnson anunciou que “todas as medidas de bloqueio deveriam ser suspensas na Inglaterra até dia 21 de junho”, permitindo eventos ao ar livre sem restrições (IQ Mag). Festivais como Reading & Leeds, Slam Dunk, Black Deer e Wide Awake se preparam para receber fãs a partir de junho. Reading & Leeds vendeu 100 mil ingressos em 72 horas na semana passada e o Creamfields esgotou seus 70 mil ingressos em 48 horas (Music Business). O americano Burning Man estuda uma versão mais minimalista com medidas que devem incluir prova de vacinação, testes rápidos e verificação de anti-corpos. Entre 54% e 71% dos participantes declararam que adotariam as medidas (Burning Man Journal).
Já no Brasil, o Rock in Rio acaba de manifestar seu adiamento (Correio Brasiliense). O horizonte de retorno não está a vista e provavelmente precisaremos de políticas mais sofisticadas com amparo científico e tecnológico se quisermos permitir a sobrevivência do setor durante este longo período.
A Abordagem Política
Porém as medidas adotadas no país para conter o avanço do Covid-19 têm causado estranheza pela falta de embasamento científico e visão de longo prazo. Pragmatismo faz sentido, principalmente no início de uma crise, para estancar o problema rapidamente. Mas depois de um ano lidando com o vírus, o bom senso precisa dar espaço para conhecimento técnico.
Um vôo comercial sem distanciamento entre os assentos é realmente menos perigoso do que um restaurante com distanciamento social? As academias apresentam mesmo mais risco do que os ônibus e metrôs lotados? Eventos ao ar livre com participantes testados são realmente mais perigosos do que as feiras de comércio? Ninguém parece saber ao certo. E é justamente isso que precisa mudar.
Para que não haja dúvida: durante surtos epidemiológicos que ameacem o sistema de saúde faz absoluto sentido impor restrições mais severas ou completo lockdown (o que não tem sido feito) . Acredito que elas sejam cabíveis neste momento dado os indicadores em cidades como Manaus, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Mas no decorrer da crise, medidas parecem ter sido impostas de maneira “seletiva”. As companhias aéreas alegam que o ar condicionado instalado nas aeronaves contém o avanço do coronavírus (National Geographic). Podemos então instalar essa maravilha tecnológica — ou soluções parecidas — nos bares, restaurantes e academias? Em empresas onde trabalhadores não podem realizar distanciamento social, como na JBS, Tyson e outras indústrias de carne processada, milhares foram infectados pelo vírus e já registram mais 57 mil casos de Covid e 283 mortes pela doença (Meatpacking, Last Week Tonight with John Oliver). O caso mais intrigante talvez seja o das igrejas: enquanto teatros são proibidos de funcionar, “as igrejas e templos podem continuar abertos com limitações de público e espaçamento de 3 metros entre os fiéis”, segundo o governador de São Paulo (G1). Aqui eu falho em entender a diferença estrutural entre os dois.
Mas teatros e centros religiosos diferem imensamente em outro âmbito: representação política. Meu palpite é que bares, restaurantes, academias e a indústria do entretenimento ao vivo receberam limitações desproporcionais em relação a outros setores por falta de coesão e força política.
Não só no Brasil, mas em outros países, muitos desses empresários se reuniram politicamente pela primeira vez somente em face da pandemia. Nos Estados Unidos a recém fundada National Independent Venue Association (NIVA) compõe diversos empresários que “nunca tinham se organizado politicamente” para aprovar o maior auxílio federal para arte e cultura na história dos Estados Unidos. Batizado de Save Our Stages Act, o aporte de 15 bilhões junto com o auxílio emergencial a linhas aéreas foram as duas únicas linhas emergenciais aprovadas para indústrias específicas durante a pandemia (Bloomberg).
Música traz uma coisa extremamente emocional para as pessoas. Mesmo aqueles que descartaram artes como algo elitista ou de “boutique” começaram a perceber o papel que estas casas culturais têm em suas vidas — Senadora Amy Klobuchar do Minnesota (Bloomberg)
Na ausência de coesão ou representatividade, políticos priorizam suas conexões mais próximas. O problema dessa abordagem é que, além de injusta, ela coloca em risco as vidas de milhares de brasileiros. Existe uma correlação muito clara entre segurança financeira e saúde. No artigo de Thomas Hone do Imperial College, o professor de políticas públicas, analisa 5.565 municípios brasileiros de 2012–17 e conclui que: a mortalidade aumenta em 8% para cada 1% de aumento no desemprego, principalmente por conta de doenças cardiovasculares e câncer. Durante o período esse número soma 31.415 mortes com maior incidência nos grupos “afro-brasileiros” e “pardos”. Nenhum aumento de mortalidade pode ser identificado em brasileiras, brancas, adolescentes (idade: 15–29) ou indivíduos mais velhos. Um recente estudo de Eran Bendavid do Stanford Department of Medicine apontou a necessidade de incluir danos a saúde causados pelos efeitos de fome, doenças não relacionadas ao Covid-19, doenças mentais e suicídios (Wiley Online Library). De fato, profissionais do setor alertaram para um número recorde de suicídios no segmento durante a pandemia (ABC News). O setor de eventos demitiu 400 mil trabalhadores desde o início da pandemia no Brasil, em fevereiro do ano passado (Promoview).
De forma indireta, o lockdown econômico também causa mortalidade (principalmente nas classes menos favorecidas). Não podemos ficar mais confortáveis com impactos negativos da pandemia porque eles atingem classes menos favorecidas ou não recebem destaque de mídia. Devemos ter ainda mais cuidado quando não temos certeza do impacto de certas atividades na pandemia ou quando estamos nos guiando por interesses políticos. Em outras palavras, se vamos sacrificar o emprego de mais de 20 milhões de pessoas é bom que tenhamos dados que comprovem que estas atividades são as causas das ondas de contágio.
Se vamos sacrificar o emprego de mais de 20 milhões de pessoas é bom que tenhamos dados que comprovem que estas atividades são a causa das ondas de contágio.
A Abordagem Científica
E como podemos ter essa certeza? A reposta é simples: medindo.
Estudos Empíricos
Em dezembro do ano passado a cidade de Barcelona realizou um experimento: com coordenação do festival Primavera Sounds e de associações ligadas à saúde, organizou-se um espetáculo de 5 horas para 1.000 espectadores, numa sala com capacidade para 1.600 pessoas. Dos 1.000 voluntários que aceitaram participar no estudo, 463 assistiram ao concerto e 496 foram colocados no grupo de controle, não tendo entrado na sala. Os voluntários que assistiram ao espetáculo, que contou com a atuação de vários grupos de rock e DJ’s, tiveram de usar máscaras FFP2 e desinfetante para as mãos, mas não mantiveram distanciamento dos outros espectadores. Naquele dia, todos fizeram um teste rápido para detectar eventuais infeções de Covid-19. Uma semana mais tarde, todos fizeram um segundo teste: não houve resultados positivos entre as pessoas que assistiram ao concerto. No grupo de controle, houve dois testes positivos (Blitz).
“Assistir a um concerto de música ao vivo com uma série de medidas de segurança, que incluíram um teste antigénio negativo feito naquele dia, não levou a um aumento de infeções por Covid. Esperamos que estas conclusões ajudem a salvar os concertos durante a pandemia de covid-19”, escreveram os autores do estudo (Blitz). Em outro estudo com assentos marcados, dessa vez na Alemanha: “Depois de medir a transmissão por via aérea na sala com capacidade para 1.500 pessoas, em três datas diferentes, a equipe concluiu que o risco de infetar alguém por essa via pode ser praticamente excluído, desde que a sala esteja ventilada e as pessoas usem máscara” (Blitz). Em outro estudo, os Países Baixos, após um ano de restrições, dividiram 1.300 pessoas em 6 ambientes diferentes durante (cada um com regras diferentes) durante o AMF (Amsterdam Music Festival) 2021 para simular um modelo matemático de infecção. Todos foram testados antes do evento e, após o experimento, voltaram para o lockdown (que é um dos mais severos na Europa). Caso os experimentos sejam bem sucedidos, organizadores esperam podem abrir o festival Eurovision em Maio e eventos de esportes em junho (AlJazeera).
Muitos mais estudos são necessário para sabermos que regras e protocolos devem ser colocados em prática para garantir uma reabertura segura. O ponto aqui não é defender que uma atividade é mais segura que outra. O ponto é defender que uma abordagem científica é o único caminho para definirmos de forma justa as diferentes restrições no trabalho e na vida das pessoas.
O ponto é defender que uma abordagem científica é o único caminho para definirmos de forma justa as diferentes restrições no trabalho e na vida das pessoas
Passos Práticos
1. Tecnologia
Outro ponto que chama muita atenção e que, ao longo do último ano, uma quantidade muito pequena de inovações tecnológicas foi aplicada para entender e conter a pandemia no Brasil. No meu primeiro texto sobre o mercado de eventos e o Covid-19, eu trouxe diferentes abordagens adotadas pelo mundo: desde as soluções de testes rápidos adotadas pelos Sul Coreanos que permitiram o país conduzir suas eleições legislativas em plena pandemia até a carteira de imunidade utilizada na China que indicava o status de saúde de cada cidadão (Medium).
Ao entrar no metrô, fazer check-in em um hotel ou entrar em uma casa noturna, o usuário precisa mostrar o status de saúde com a esperança de receber o código verde. O código vermelho indica que a pessoa está infectada. Amarelo indica que a pessoa está potencialmente infectada — pois teve contato com alguém infectado e não terminou a sua quarentena (TIME). Esta tecnologia de rastreamento permitiu a países como a Coréia do Sul, por exemplo, a enfrentar a pandemia com poucas restrições.
Mais recentemente, o Reino Unido começou a utilizar o aplicativo do National Health Service (NHS) de forma similar: o plano basicamente consiste em “obrigar aqueles que comprarem ingressos para eventos ou reservarem mesas em restaurantes a adquirirem um kit de testes que pode ser usado em casa e baixarem o app. Aqueles que testarem negativo e concordarem em continuar usando o app de rastreamento, terão permissão de frequentarem shows, pubs, teatros e eventos esportivos” (IQMag). O plano é começar os testes neste mês com os primeiros eventos ocorrendo em agosto. Se tudo der certo, a indústria poderá abrir plenamente em novembro.
No Reino Unido estão sendo desenvolvidos alguns sistemas como: o teste de saliva Chronomics ou Halo que podem ser enviados para as casas das pessoas (não há necessidade de comparecer a hospitais). A empresa afirma que a análise do teste pode ser automatizada, tornando-a escalável para testes em massa; já o teste DNANudge pode ser feito através de cotonetes que são colocados nas narinas e pode detectar a presença do vírus em 75 minutos (o teste normal leva 48 horas). Aqui uma lista de outras soluções publicadas pela IQ Mag. Me preocupa a quase completa ausência de soluções técnicas vistas no mercado brasileiro (scanners de temperatura em shoppings são uma das raras exceções).
2. Ajuda Financeira (de Verdade)
Diferente dos Estados Unidos e sua injeção de 15 bilhões de dólares para artes e cultura, os milhões de trabalhadores brasileiros no segmento permanecem amplamente desamparados. O Reino Unido tem pago 2.500 libras (cerca de 15 mil reais) para trabalhadores autônomos afetados pela pandemia. O auxílio visa autônomos — os mais impactados pela pandemia e cobre 80% dos ganhos dos trabalhadores. A medida deve atingir cerca de 4 milhões de pessoas e se equipara a outra medida fornecida para trabalhadores assalariados. God Save the Queen!
No Brasil, nenhuma medida que eu conheço foi realizada para trabalhadores autônomos (grande parte do mercado de eventos). Não tivemos nenhum acesso a crédito no segmento. Trabalhadores CLT receberam R$250 reais como auxílio emergencial. A Medida Provisória também surtiu pouca ajuda, pois a regra de estabilidade cria uma dívida de longo prazo para empresários que, na ausência de qualquer perspectiva de retorno, se vêem forçados a reduzir gastos com folha.
Nesse contexto, iniciativas como o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), ou Projeto de Lei 5638, são de crucial importância, pois permitem algum alívio financeiro para os setores mais afetados. O programa, idealizado pelo Deputado Federal Felipe Carreras e defendido por associações como a Abrape, Apresenta e Abeoc, pede parcelamento das dívidas, redução de multas e alíquotas devidas pelo segmento. Mais crucialmente, o programa também fala de disponibilização de crédito no valor de 10% a 30% da receia bruta com base em 2019. O setor de entretenimento ao vivo, que pagou 48 bilhões de impostos no ano passado e está em vias de colapsar (PL-5638/20), depois de um ano praticamente sem nenhuma receita, ainda luta para aprovar um alívio ou parcelamento das suas obrigações.
O setor de entretenimento ao vivo, que pagou 48 bilhões de impostos no ano passado e está em vias de colapsar (PL-5638/20), depois de um ano praticamente sem nenhuma receita, ainda luta para aprovar um alívio ou parcelamento das suas obrigações.
3. Menos Egos Políticos
Por fim é impossível não pedir que o Governo Federal e qualquer outro órgão político desista de construir uma imagem de salvador da pátria e simplesmente trabalhe para a solução conjunta mais rápida e eficaz. Durante os últimos meses assistimos alguns dos nossos políticos de maior expressão gastarem considerável tempo para sabotar soluções vindas da oposição ou deixando de implementar medidas que não lhes engrandecem politicamente mas que poderiam salvar milhares de pessoas.
Não é hora de gastar tempo e recursos para trazer minúsculos carregamentos simbólicos da vacina com objetivo de configurar aparições na mídia. O foco precisa ser nas soluções escaláveis de longo prazo: como fazer o Butantã produzir milhões de doses da Sinovac sem falta de suprimentos? Como acelerar a produção da Fiocruz? Como permitir que Estados tenham acesso direto a vacinas de qualidade? Como aplicar tecnologia para encontrar focos de contágio como fizeram os Sul Coreanos? Política é feita desses jogos, mas quando a vida e a renda das pessoas está em jogo não há espaço para nenhum átomo de energia gasto que não seja para o bem comum.