Tréplica: There’s no Free Ticket

Gabriel Benarrós
6 min readMar 21, 2019

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Ontem, tive oportunidade de ler o artigo A “taxa de conveniência” do ingresso on-line e o consumidor escrita por Frederico Cortez, réplica que oferece contra-argumentos aos defendidos no meu último texto publicado aqui: “There’s no Free Ticket”, onde defendo que decisão do STJ de proibir taxas de conveniência é prejudicial ao consumidor.

Como o texto do advogado representa o pensamento de muitos brasileiros e membros do nosso sistema judiciário, tentei capturar e rebater os principais:

Cortez acredita que as empresas que vendem ingresso colocam o consumidor em “situação de vulnerabilidade”, pois as pessoas não têm opção a não ser comprar online. Ele comenta: “O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 4º . . . cita como exemplo a compra de um livro, onde pode ser feita pela internet ou o próprio cliente indo até a loja física. Destaque-se que essa faculdade não está disponível no serviço que sua empresa oferece ao consumidor (grifo meu). Ou ele paga a “taxa de conveniência” para ir assistir a determinado filme, peça de teatro ou show, ou então o consumidor não poderá usufruir desse lazer.”

Isso não é verdade: as empresas que vendem ingressos online já aderem à lógica citada acima. Ou seja, a opção de compra sem taxa é sempre disponível ao usuário. Basta entrar no nosso app para ver:

App Ingresse

O argumento perde o cerne da questão: o que os empresários do ramo buscam e justamente manter a livre escolha do usuário: ir ao ponto de venda (e não pagar a taxa) ou comprar online (e pagar a taxa).

Mais importante, o próprio exemplo dado no texto de Cortez fragiliza seu próprio argumento. Vamos, por exemplo, aplicar a lógica do STJ aqui. O STJ decidiu que a Amazon não pode mais cobrar do usuário taxas pela venda do livro na Internet. A Amazon é forçada a cobrar seus serviços do fornecedor do livro e, portanto, o fornecedor não tem outra escolha a não ser aumentar o preço do produto.

A discussão correta deveria ser se o usuário tem mesmo a chance de comprar sem taxa e não simplesmente proibir a Amazon de cobrar taxas. Desse ponto de vista, as tiqueterias, assim como a Amazon para os livros, estão na verdade, “democratizando” o acesso ao lazer, oferecendo um serviço de alto valor tecnológico agregado, disponibilizando a compra on-line dos ingressos de determinado filme, peça de teatro ou show a uma quantidade expressiva de pessoas que não poderiam de outra forma adquirir o ingresso por falta de tempo, oportunidade ou ainda por causa da distância física até a bilheteria convencional.

Mesmo com a disponibilização da opção sem taxa, vale a pena a reflexão: “venda com taxa de conveniência é venda casada, mesmo?”. A lei da venda casada (tying arrangement) tem origem no Sherman Act, a lei antitruste norte-americana do final do século XX e foi importante pano de fundo no surgimento dos gigantes de produção cinematográfica (e.g. U.S. Motion Pictures Patents Co., 1915). Como no Brasil, houve na época “certo exagero, sendo superado — já sob os auspícios da Escola de Chicago” (Jorge Luiz Brito Jr, 2019). Passamos então a considerar 2 pontos importantes para configurar se venda casada: (1) poder de mercado e (2) existência de dois produtos que podem ser comprados independentemente.

  • (1) Não é claro que existe poder de mercado: pois nenhum comprador é forçado a ir a nenhum show. Pelo menos eu não lembro da última vez em que fui obrigado a assistir o show da Sandy e Júnior. Se a taxa for muito alta, eu passo a considerar a opção de ir até a bilheteria mesmo que isso seja inconveniente.
  • (2) Os dois serviços — a taxa de conveniência e o ingresso — não são produtos que podem ser comercializados separadamente. Ninguém vai à loja e pede “por favor me dê duas taxas de conveniência”. O único produto é o ingresso e a taxa é a análoga ao frete. Se o comprador fosse forçado a comprar 2 cervejas junto com o ingresso, isso sim seria venda casada. A alegação de que pessoas que moram longe das capitais não têm acesso aos pontos de venda também é fraca, pois sem a existência da logística que permite as tiqueteiras fazer a venda pela Internet, essas pessoas não teriam sequer a oportunidade de comprar os ingressos.

De qualquer forma, a disposição contra a venda casada (tying arrangement) já existia no mercado e era aceita pelas empresas profissionais do ramo. Com a nova disposição do STJ, na prática, toda venda fica “casada”.

“Gabriel ainda vai além, cita que outras empresas já aplicam uma “cesta de taxas” (taxa de retirada e taxa de impressão do bilhete) em seus aplicativos. Quem me garante que não serão criadas mais taxas?”

Ninguém! O mercado funciona assim. As pessoas criam produtos, invenções, tecnologias novas, facilidades como o iFood, Uber, Amazon, AirBnB, que cobram taxas novas. Ainda bem que não existe uma garantia de que não haverá mais taxas! Pois isso também garantiria que não houvesse mais inovação. Welcome to the free market!

“Ao meu sentir, engana-se quem pensa que a decisão do STJ queira regular o livre mercado. Pelo contrário, o que ocorreu foi uma proteção ao cliente/consumidor”

O foco aqui não é a intenção do STJ. O que importa são as conseqüências do que é imposto ao mercado. Nesse caso, a decisão do Tribunal impõe uma distorção de mercado e prejudica justamente quem tentou proteger, conforme já foi inclusive publicamente afirmado pelos próprios produtores, ao informarem que o preço do ingresso irá aumentar. A Gazeta do Povo também identificou essa distorção no artigo com o cômico título, “Para ‘proteger’ o consumidor a Justiça o fará gastar mais. “Como disse, Milton Friedman (Nobel em Economia), “o maior erro da análise de uma política pública é julgá-la por suas intenções e não por suas consequências”. Aê Milton!

“Mas a taxa é muito cara, abusiva!”

Nesse caso a discussão é sobre o preço, não sobre a legalidade da taxa. Imaginem que, de repente, os táxis no Brasil passagem a cobrar 100x mais. O novo preço seria abusivo. Portanto, táxis deveriam considerados ilegais? Claro que não.

“Segundo o entendimento do CEO da Ingresse, quanto à possibilidade de transferência do custo pela venda on-line para o consumidor, quem comprasse o ingresso também teria direito a participação no lucro daquele evento, uma vez que custeou por todo o serviço de venda do ingresso na modalidade on-line”

Não, cidadão: se eu peço uma pizza no iFood, eu deveria ter direito à participação nos lucros da Pizza Hut? Se compro um imóvel em construção, deveria ter parte dos lucros da construtora? Se eu contrato o seu serviço como advogado, eu tenho direito aos lucros do escritório Cortez&Gonçalves? Não, né.

Quando eu compro uma pizza, eu pago pelo produto (o alimento), quando eu compro um ingresso, eu tenho direito a ir ao show (não aos lucros do evento). Comprar um produto — e reduzir o risco do empreendimento — não me dá direito a ser dono do empreendimento.

Esse tipo de interpretação surge quando interpretamos o direito “em tiras”, é importante lembrar do “Diálogo das Fontes” defendido por Claudia Lima Marques. Em outras palavras o Direito do Consumidor deve conversar com os direitos de propriedade intelectual e outras frentes que permitem um mercado saudável.

Enfim, sobre o comentário de que “não há negócio com 100% de segurança”. Note que o Brasil figura entre os piores ambientes de negócio do mundo. No atual estado, empresários e produtores de evento não estão buscando um ambiente onde negócios sejam risk free, estamos buscando um ambiente onde eles sejam possíveis.

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Gabriel Benarrós

Behavioral Economist — Stanford University, Founding-CEO @Ingresse, Endeavor Entrepreneur, Forbes 30 Under 30