KCI’s: Key Corona Indicators

Gabriel Benarrós
12 min readMar 29, 2020

Se você é empreendedor, você provavelmente acaba de jogar seu business plan no lixo. Em 2020, o mundo foi atropelado pelo que vai ser conhecido como o “cisne negro” da nossa época, e a economia, arrastada para uma recessão. Este artigo é uma reflexão sobre o efeito do COVID-19 em negócios de tecnologia, usando nossa própria experiência na Ingresse como base.

A primeira parte (6 min de leitura), é um resumo da situação com as visões pró e contra o lockdown. A segunda (6min), descreve possíveis impactos em negócios de tecnologia e 4 estratégias de sobrevivência. A Ingresse— como plataforma de entretenimento ao vivo — está nos segmentos mais gravemente afetados pela crise.

“I suspect that almost all our portfolio companies will miss their 2020 plans” (Fabrice Grinda, Investidor e Co-Fundador da OLX)

Dois Lados da História: A Favor do Lockdown

O surto dividiu o Brasil em dois. De um lado, os que acreditam que um lockdown completo é inevitável e, de outro, os que acreditam que os danos da paralisação superam os benefícios.

O primeiro grupo defende que o lockdown total é a única forma de frear o vírus em linha com medidas adotadas na China. Caso a gente não aja rapidamente, evitando contato social, teremos uma situação parecida ou pior que a da Itália. Os médicos da Lombardia reiteram o pedido. Afinal, a China jamais teria interditado sua produção industrial, a menos que fosse estritamente necessário. Ainda, este grupo argumenta que a vida humana é nosso maior valor e, como disse Bill Gates (que tinha avisado sobre o risco de uma pandemia anos atrás): não podemos reiniciar a economia e simplesmente “ignorar a pilha de corpos ali no canto”.

O efeito “econômico disso é realmente dramático. Nada como isso jamais aconteceu na economia nas nossas vidas …Mas trazer a economia de volta…isso é mais reversível do que trazer as pessoas de volta à vida.” (Bill Gates)

Além do viés humanitário, existe uma visão pragmática defendida em artigo por Fergunson do Imperial College de Londres, sugerindo que: a quarentena é inevitável até que uma vacina fique disponível. Pois enquanto houver alguém infectado, teremos novos picos da doença e seremos forçados a adotar novamente medidas restritivas.

Periodic bouts of social distancing keep the pandemic in check. IMPERIAL COLLEGE COVID-19 RESPONSE TEAM.
Surtos Epidêmicos, Imperial College COVID19 Response Team

Historicamente, foi de fato o que observamos na Gripe Espanhola e MERS.

Ciclos Epidemiológicos: Gripe Espanhola e MERS, “Roundtable Brazil”, BCG Henderson Institute

Seguindo este modelo, pesquisadores concluem que distanciamento social e medidas como suspensão de ensino presencial perduram por 2/3 do tempo até o surgimento de uma vacina. Na época da Gripe Espanhola, o mercado caiu 35% e demorou nada menos que 18 meses para se recuperar (The Global Economy and Its Impact on Startups in the Time of COVID-19, Grinda).

E se utilizássemos todos os nossos recursos econômicos para construir UTIs, hospitais, respiradores e máscaras? No modelo dos pesquisadores, mesmo com todo investimento, sem a quarentena o nível de demanda de pessoas criticamente doentes excedeu 8 vezes a oferta nos USA e UK — o que levou o MIT Tech Review a sugerir que “we’re not going back to normal” tão cedo.

Cenários COVID-19, Imperial College COVID19 Response Team

Um dos problemas mais desafiadores numa crise como essa é que: no caso dela ser contida, sairemos como “exagerados” e vamos capitalizar nas perdas econômicas. Já no caso dela sair de controle, quase nenhuma medida será suficiente e sairemos como irresponsáveis. Hoje, o número de mortos na Itália ultrapassa os 10,000.

O Outro Lado da História: Contra o Lockdown

Do outro lado, surgem argumentos defendendo que um lockdown não é efetivo e que as medidas devem ser na linha do distanciamento social ou um lockdown “seletivo” (vertical). “Quarentenas de verdade são muito raras e nunca efetivas”, diz o Professor Gostin da “Global Health Lat” de Georgetown. Num artigo do Washington Post, o jornalista Harry Stevens — em feliz combinação de ciência e jornalismo — simula diversos cenários de quarentena e isolamento social e mostra que este último é mais efetivos para “achatar a curva”.

Why outbreaks like coronavirus
spread exponentially, and
how to “flatten the curve”, Washington Post

Mais importante: o cerne do argumento contra o lockdown gira em torno do impacto econômico causado. Um estudo da Brookings Institution, analisou o impacto direto de se fechar as escolas durante uma epidemia — forçando os pais a ficarem em casa — e estimou uma perda entre 5.2 e 23.6 bilhões USD. Um lockdown de escolas de 4 semanas, segundo o estudo, geraria um impacto de 0.3% no PIB (COVID-19 May Be The Black Swan That Pushes The Global Economy Into Recession, Grinda).

Uma paralisação geral de mercado irá portanto resultar na falência de milhares de negócios — em particular pequenos e médios negócios sem reservas de caixa — causando desemprego em massa. O jornalista Thomas Friedman do Times é quem melhor captura esse ângulo em seu artigo A Plan to Get America Back to Work:

“…locking down the world with potentially tremendous social and financial consequences may be totally irrational. It’s like an elephant being attacked by a house cat. Frustrated and trying to avoid the cat, the elephant accidentally jumps off a cliff and dies.’’

Como estagnação econômica diminui expectativa de vida, o lockdown teria um custo de vidas indireto. No artigo de Thomas Hone do Imperial College, o professor de políticas públicas, analisa 5.565 municípios brasileiros de 2012–17 e conclui que: a mortalidade aumenta em 8% para cada 1% de aumento no desemprego, principalmente por conta de doenças cardiovasculares e câncer. Durante o período esse número soma 31.415 mortes com maior incidência nos grupos “afro-brasileiros” e “pardos” (aumento de 0·46 [95% CI 0·15–0·80]), homens (0·67 [0·22–1·13]), e indivíduos com idade de 30–59 anos (0·43 [0·16–0·69])”. Nenhum aumento de mortalidade pode ser identificado em brasileiras, brancas, adolescentes (idade: 15–29) ou indivíduos mais velhos.

O que fazer quando temos que escolher entre vidas hoje, colocando em risco nossos parentes mais próximos e pessoas suscetíveis a doenças respiratórias, ou vidas a médio prazo, de minorias e grupos de risco social?

A resposta provavelmente é um lockdown estratificado — como o sugerido por David Katz em sua tese Risk and Vulnerability Based Interdiction Response” — que começa horizontal e vai sendo relaxado conforme haja sinais positivos indicando que a pandemia foi contida.

Risk and Vulnerability Based Interdiction Response to SARS-Cov-2, David Katz

No entanto, para implementar algo assim precisaríamos de (a) dados confiáveis e (b) obediência social de regras complexas. Infelizmente, no momento, não há consenso sobre a mortalidade do vírus, sua taxa de contágio, resiliência, o número de testes é insuficiente e o nosso critério de contagem de casos, questionável (Brazil Roundtable, BCG). Sobre (b), deixo para cada um de vocês a reflexão sobre como nós brasileiros lidamos com regras.

Não finjo saber a resposta. Numa crise como essa, precisamos manter em mente que há um número muito grande de variáveis desconhecidas (too many unknown unknowns). A atitude mais apropriada parece ser de humildade e solidariedade.

As 3 Perguntas

Como negócio, precisamos responder três perguntas: (1) por quanto tempo vamos ter baixa atividade econômica, (2) como vai ser a volta ao “normal” e (3) qual a intensidade da recessão?

A resposta a essas perguntas muda dia a dia, mas as reflexões abaixo apontam a direção.

Ingresse COVID Playbook

1. Quando acaba esse episódio de Black Mirror?

Existe certo consenso de que vamos atingir o pico da epidemia na segunda semana de Abril. Em estudo, o J.P. Morgan usa o modelo SIR para computar o avanço em número de infectados na população. É importante ressaltar que o Brasil adotou um critério que subestima o número real de infectados (por exemplo, é necessário a requisição do teste por um agente de saúde que só é feita quando o doente apresenta um conjunto de sintomas). Porém, desde que o critério escolhido seja mantido, é possível entender o comportamento da curva. Segundo os estudos:

  • Os números variam de 9k a 68k infectados com estimativa de 23.5k segundo o J.P. Morgan com foco em São Paulo e Rio. Baseado na curva de crescimento em São Paulo (que lembra a da província de Hubei, China), esperamos um pico em 15 de Abril (Análise COVID-19 - Loft, Marmerola; Initial Modeling of Brazil Cases; Evolution in LatAm And Other Considerations, J.P. Morgan)
Análise COVID-19, Loft, G Marmerola
  • São Paulo será a cidade mais afetada, mas apresenta um crescimento marginalmente menor que o Brasil como um todo (~0.34 vs ~0.37). Além disso, São Paulo nos últimos 14 dias também tem um crescimento marginalmente menor que São Paulo ajustado em todo o período. Por fim, o início do outbreak na Itália teve um crescimento muito maior que o ajuste dos últimos 14 dias (~0.16 vs. ~0.40). Este é o comportamento que precisamos evitar no Brasil.
Análise COVID-19, Loft, G Marmerola
  • O J.P. estima que se mantivermos o número de infectados abaixo de 30k, o impacto econômico será controlado. Temos a nosso favor que, neste critério, a America Latina tem progredido de forma mais lenta que a Itália provavelmente porque: (1) o Brasil tem uma densidade populacional menor do que China e Itália (318 pessoas/km², em Hubei, 206 pessoas/km², na Itália e apenas 25, no Brasil); (2) a idade média brasileira também é inferior a destes outros países: nossa idade média é 33 comparada a 46, na Itália. Por último, (3) São Paulo respondeu rapidamente à epidemia.

Se, no Brasil, atingirmos o pico em Abril e estimarmos uma bell curve, teremos uma estabilização para a maioria dos negócios até Junho. A China, por exemplo, teve seu pico em Janeiro com reabertura de seus cinemas e lojas em Março. A questão chave para os negócios é a possibilidade da ocorrência de outras “ondas” que poderiam gerar novas recessões. A velocidade de retorno também difere, dependendo do seu segmento de atuação. Atividades relacionadas a viagens, turismo e eventos ao vivo devem ser as últimas a se recuperarem e as primeiras a sofrerem limitações no caso de novos surtos.

Intensidade nos Setores Impactados, “Roundtable Brazil”, BCG Henderson Institute

Um dos pontos chave aqui é que o nível de incerteza raramente foi tão alto. A duração de uma recessão pode variar muito dependendo das conseqüências de segunda e terceira ordem: por exemplo, a Itália é a oitava maior economia do mundo. Bancos na França, Espanha e Portugal emprestaram quantias substanciais ao governo italiano. Quais seriam as conseqüências de uma crise italiana de solvência?

2. Um novo “normal”?

E se as coisas não voltarem ao normal?

…podemos imaginar um mundo onde, para entrar num avião, você talvez tenha que assinar algum serviço que monitore a localização do seu telefone [ . . .] haveria scanners de temperatura por toda parte [ . . .] casas noturnas [ . . .] pediriam prova de imunidade (MIT Tech Review)

Yuval Harari, o autor de Sapiens, alertou para tomarmos cuidado para que governos não se aproveitem da oportunidade para começar a monitorar de perto a população. Em seu artigo “The World After Coronavirus”, o autor lembra que as medidas “temporárias” que Israel adotou em 1948 em “estado de emergência” nunca foram abandonadas.

Porém, a maioria dos peritos acredita em um choque em “V” — ou seja, um impacto que quebra a tendência de crescimento econômico ao deslocar demanda, mas sem alterar seu coeficiente de crescimento.

Choques Econômicos, “Roundtable Brazil”, BCG Henderson Institute

Empiricamente, todo os choques causados por epidemias foram em forma de “V” (SARS, 2003; H2N2, 1957; H3N2, 1968 e Gripe Espanhola, 1918 — amostras dos USA). Em outras palavras, vai doer, mas vai passar.

Choques Econômicos por Epidemias, “Roundtable Brazil”, BCG Henderson Institute

3. Efeitos em Tecnologia

Por fim, resta a pergunta da intensidade da recessão. Embora a maioria da economia seja negativamente impactada, alguns businesses colherão benefícios em adoção online. A penetração online na AmLat ainda é baixa e, uma vez que as pessoas perceberem que é mais fácil fazer compras online do que ir ao mercado, there’s no going back. O surto de SARS de 2002–2003 foi um grande acelerador da adoção de e-commerce na China e da inflexão do AliBaBa (RoundTable Brazil, BCG Henderson Institute). Ainda temos muito espaço para crescer no mundo digital: apenas 5-15% do comércio é online; no Brasil, apenas 10% dos ingressos são vendidos pela Internet. A crise vai ser uma espécie de “máquina do tempo” empurrando de uma vez múltiplas indústrias para a transformação digital.

Impactos no Ecossistema

O ecossistema de tecnologia vai mudar de formas importantes:

  • Levantar dinheiro vai ser tornar mais difícil tanto para empresas como para fundos. Commitments de limited partners para fundos de capital de risco caíram em 41% na crise de 2000-2001; e 58% em 2008–2009 (Don Butler, Forbes). Com o mercado como um todo em baixa, o retorno de fundos tradicionais passa a competir com retornos de capital de risco.
This Downturn Will be Different, Don Butler, Forbes
  • Consequentemente, o custo de levantar dinheiro sobe e empresas passam a sofrer escrutínio maior ao brigarem por um bolo de dinheiro menor. Em 2009, VCs cortaram investimentos em novas empresas em 1/3. Nosso investidor, Fabrice Grinda, aponta uma queda parecida de 27.7% entre 2007 e 2009. Investidores especializados passam a direcionar seu capital para ajudar empresas já investidas a passarem pela crise. Já investidores de “bons tempos”, que olham tecnologia oportunamente (como family offices) provavelmente vão reduzir exposição.
  • Valuations vão cair: empresas que estavam levantando em dólar, vão começar a negociar em reais e vamos ter um crescimento em bridge rounds e outras estruturas mais criativas. Olhando para as duas últimas recessões, observamos uma queda no valuation médio de 32% em 2001; e de 13% em 2009.
Figura X. Pre-Money Valuations para Séries A, B e C nos USA
  • Late stage investing provavelmente vai sofrer ainda mais impacto com saídas sendo postergadas e menos M&A’s. AirBnB provavelmente não vai mais realizar seu IPO neste ano.

Empreendedores

Considere 4 frentes em resposta ao COVID: (1) Saúde do Time, (2) Monitoramento do Negócio, (3) Adaptação e (4) Proteção de caixa.

Ingresse COVID-19 Playbook

Saúde do Time

Iniciativas em team health buscam preservar a saúde física/mental da equipe (exemplo: políticas de home office) e manter moral elevada. Na Ingresse, criamos sessões diárias de fitness, um guia de trabalho remoto, sessões de apoio emocional via Zoom e uma iniciativa chamada “Estreitando Laços” que envolve compartilhamento de conhecimento, auxílio aos vizinho e outros atos de solidariedade. Recomendo um webinar com toda a equipe para discutir a situação. Seja claro e direto: incerteza é pior que más notícias.

Monitoramento

Crie KCI’s (Key Corona Indicators), que são seu termômetro sobre o impacto e duração da crise. Quais KCI’s mostram que o tempo de retorno não é o esperado ou que a sua indústria pode ter sido permanentemente afetada? Esses indicadores idealmente funcionam de “gatilho” para seu plano de contingência.

Em paralelo, aumente o foco em unidade econômica e margem: Nossos investidores da FJ Labs falam “de recuperar o CAC — fully loaded — em 6 meses” e LTV/CAC de 10:1. Capacidade de bootstrap e geração de receita no dia zero vão ser mais valorizados do que nunca.

Adaptação

No processo evolutivo quem sobrevive não é o mais forte nem o mais inteligente: é quem melhor se adapta. É possível adaptar o seu modelo de negócios para operar no novo status quo? Uma técnica que tem sido amplamente utilizada é a venda de crédito futuro.

Nossos parceiros da FoodPass — originalmente focados em experiências gastronômicas presenciais — criaram o “Apoie Um Restaurante” que permite que você adquira vouchers para restaurantes, que podem ser resgatados pelos clientes uma vez que a crise passar. Os mais de 6 milhões de restaurantes no Brasil são um dos segmentos mais afetados. Restaurantes, em média, possuem menos de um mês de capital de giro.

Proteção de Caixa

Receitas vão cair no curto prazo muito mais rapidamente que os custos. Portanto, levante mais dinheiro do que você precisa. Principalmente, para o caso de ondas de surtos futuros, ou caso você pertença aos segmentos mais afetados (turismo, viagens etc…)

Runway e Burn: o período médio de tempo entre rodadas tende a ser 12–18 meses nos Estados Unidos. No Brasil, se planeje para mais do que isso. Mais importante: adote um approach de gatilho no qual você pode sucessivamente reduzir custos no caso da retomada demorar mais do que o esperado.

Sugiro o checklist do Gestão 4.0 — recurso completo e adaptado à nossa realidade. Os 50 items listados vão desde a postergações em recolhimento de impostos até políticas de caixa específicas.

Conclusão

Excelentes empresas foram fundadas em momentos como esse, como por exemplo, AriBnB, Cloudfare, GitHub, Slack, Square, Stripe, Uber e WhatsApp. Este será um período muito rico em aprendizado. Vamos descobrir que muitas reuniões poderiam ter sido e-mails, que podemos ser mais enxutos; vamos ser forçados a olhar para dentro de casa e descobrir os reais benefícios de trabalhar no mesmo ambiente físico. Na Ingresse, em particular, acreditamos que o valor de eventos ao vivo ficará mais claro do que nunca. Como disse um dos nossos sócios investidores, “não podemos desperdiçar uma crise”.

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Gabriel Benarrós
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Written by Gabriel Benarrós

Behavioral Economist — Stanford University, Founding-CEO @Ingresse, Endeavor Entrepreneur, Forbes 30 Under 30

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